terça-feira, 30 de agosto de 2011

Operações urbanas expressam a gestão política neoliberal

Excelente matéria!

Em entrevista, o sociólogo urbano Tiarajú D'Andrea analisa a forma de desenvolvimento proposta pela prefeitura de São Paulo através de grandes intervenções urbanísticas

29/08/2011



Michelle Amaral

da Redação



A Prefeitura de São Paulo tem proposto grandes intervenções urbanísticas como forma de remodelar a cidade e resolver os problemas de infraestrutura, transporte e moradia. Atualmente, quatro Operações Urbanas estão em andamento – Água Branca, Água Espraiada, Centro e Faria Lima –, enquanto outras três estão em fase de projeto - Rio Verde-Jacú Pêssego, Lapa-Brás e Mooca-Vila Carioca. Além do projeto Nova Luz, na região da rua Santa Ifigênia, no centro.

Um caso emblemático, hoje, é a Operação Urbana Água Espraiada que propõe a revitalização da região entorno do córrego Água Espraiada e a ligação da Avenida Jornalista Roberto Marinho com a Rodovia dos Imigrantes. A intervenção já gerou a remoção de famílias de favelas que estavam dentro do perímetro, e a administração municipal ainda não cumpriu a promessa de prover moradia digna para os moradores. Antes, conseguiu aprovar na Câmara Municipal o Projeto de Lei 25/2011, proposto pelo prefeito Gilberto Kassab (sem partido), que amplia as obras viárias e potencializa os impactos sobre a população local.

Em entrevista concedida por e-mail, o sociólogo urbano Tiarajú D´Andrea analisa a forma de desenvolvimento proposta pela Prefeitura de São Paulo através destas grandes intervenções e explica que o principal objetivo desse instrumento urbanístico é a supervalorização de determinadas áreas e não da cidade como um todo, favorecendo a concentração de renda e a expulsão das populações mais pobres.



Confira a entrevista a seguir:



A administração municipal justifica as intervenções decorrentes das operações urbanas como algo favorável, principalmente, para as famílias que moram em favelas, porque receberão moradia digna. De fato, a prefeitura tem cumprido com essa promessa?

Não. As Operações Urbanas expressam a gestão política das cidades dos tempos neoliberais. Ao invés de o Estado utilizar seus recursos de maneira equitativa em todos os espaços da cidade, opta-se por desenvolver locais específicos. Existe uma série de críticas a esse instrumento urbanístico denominado Operação Urbana. Poderiam ser listados vários. Um deles é o absurdo do argumento justificativo desse instrumento, que afirma que o setor privado financia, por meio das Operações Urbanas, melhorias públicas. O que ocorre é exatamente o inverso: o dinheiro arrecadado pelo poder público para as Operações Urbanas provém dos Cepacs, um título que dá direito ao possuidor de aumentar a metragem de área construída além do previsto pelo zoneamento da região. No entanto, quando a construtora ou incorporadora compra um Cepac da prefeitura, esta já deu a garantia de que a área será valorizada, por meio da implantação de infra-estrutura e pela remoção de favelas. Então, comprar um Cepac, ao invés de ser uma forma de o poder público arrecadar recursos, é uma forma de o setor privado adquirir um título financeiro. Nessa lógica, cabe ao Estado reduzir riscos para os investidores, produzindo espaços elitizados e com garantia de valorização e retorno financeiro aos compradores dos Cepacs, que se valoriza pela própria ação do poder público.

Vale ainda dizer que, com o Cepac, a cidade deixa de ser o espaço da vida e da sociabilidade para ser uma espécie de título da bolsa de valores. Além disso, pelo seu próprio princípio, o Cepac é um “desordenador” da cidade, pois ao permitir a construção de uma metragem maior que o estabelecido pelo zoneamento específico de cada uma das regiões (com o aumento de andares de edifícios, por exemplo), faz explodir demograficamente uma região, causando transtornos pela saturação dos serviços do local e pelo aumento da quantidade de carros nas ruas.

Também deve ser levado em consideração o fato de as Operações Urbanas serem viabilizadas pela venda de Cepacs, cujo princípio é burlar a lei, ao permitir o aumento do potencial construtivo.



O que está por trás do interesse da prefeitura nestas operações urbanas?

A construção social do espaço urbano é uma dinâmica diretamente relacionada com o tempo econômico e político de uma determinada sociedade. Nos últimos cinco anos, houve a intensificação de dois processos sociais: a criminalização da pobreza e o aumento do valor fundiário na cidade de São Paulo. Esses processos são gerais e de certa maneira ocorrem no mundo todo por uma série de circunstâncias. Soma-se a esses fatos a gestão urbana por meio do que o geógrafo marxista David Harvey denominou empreendedorismo urbano, no qual algumas localidades, e não a cidade como um todo, são eleitas para serem desenvolvidas e valorizadas, quase sempre geridas pela iniciativa privada. A maior expressão paulistana do empreendedorismo urbano são as Operações Urbanas que, no caso brasileiro, utiliza do expediente histórico de ser o Estado o financiador da riqueza privada. Numa gestão de direita como a de Gilberto Kassab, a repressão aos pobres e a valorização fundiária da cidade foram potencializadas, inclusive com a utilização desse instrumento neoliberal que são as Operações Urbanas.

Logo, poderíamos dizer que o principal objetivo desse instrumento urbanístico é supervalorizar determinadas áreas, gerando renda para o setor imobiliário que investiu nelas. E uma das formas de valorizar essas áreas é expulsar os pobres.

Em todas as formulações sobre as Operações Urbanas, nota-se como é sempre uma dinâmica que, no seu final, transferiu renda do setor público para o setor privado.



A Operação Água Espraiada é uma das operações urbanas que será realizada por Kassab. Os moradores defendem que estes projetos da prefeitura tendem a beneficiar somente as construtoras, forçando a especulação imobiliária. Qual a sua opinião a respeito disto?

O argumento principal que justificava a utilização desse instrumento urbanístico era o de que o setor privado financiaria obras de melhorias urbanas e ainda resolveria a questão habitacional dos moradores das favelas da região. No entanto, o que de fato ocorreu foi uma absurda inversão de prioridades. A gestão dos recursos das Operações Urbanas é decidida por um conselho dessas operações. Mas, nesses conselhos, os representantes do poder público e das construtoras dão as cartas e a população moradora das favelas praticamente não tem voz nem espaço. No caso dessa Operação Urbana, a prioridade foi a construção da Ponte Estaiada, cujo gasto estimado foi de R$ 260 milhões, dos quais 30% foram oriundos diretamente dos cofres públicos, e não da venda de Cepacs.

Cabe lembrar que a Ponte Estaiada foi a indutora de uma série de conflitos que ocorreram na favela Real Parque, do lado oposto do Rio Pinheiros. Essa favela foi vítima de um violento despejo ilegal e de um incêndio criminoso, além de uma série de coerções e ameaças.

Depois da inauguração da Ponte, aumentou o ritmo de remoção da população moradora de favelas nas cercanias da Avenida Jornalista Roberto Marinho. Para se ter uma ideia, habitavam favelas na região aproximadamente 60 mil pessoas, em vários núcleos localizados ao redor do córrego Água Espraiada, desde o Jabaquara até sua desembocadura no Rio Pinheiros. Foi a gestão de Paulo Maluf que começou a remoção desses moradores, entre 1994 e 1995.

No planejamento da Operação Urbana Água Espraiada, estava previsto que após a inauguração da Ponte Estaiada seriam construídas 600 unidades habitacionais para os moradores das favelas da região. Dessas 600, no entanto, apenas 200 seriam no local onde se localizava a favela [Jardim Edite]. Resumo da história: a Ponte Estaiada consumiu um valor muito maior para sua construção do que o que foi destinado à habitação social. E dos 60 mil moradores da região, apenas 200 famílias, algo ao redor de 1.000 pessoas, seguirão vivendo no local onde construíram uma vida.

Na verdade, a construção dessas 200 unidades não é uma ação efetiva pelo direito à cidade da população pobre. É, na verdade, mais uma ação de marketing social que valoriza toda construção ideológica operacionalizada pelo poder público a serviço do setor privado, uma vez que “pensar no social” é um atributo importante para a reputação do político e das empresas.

Além de beneficiar construtoras, incorporadoras, imobiliárias e outros agentes do setor imobiliário, a Operação Urbana Água Espraiada também beneficia outro influente setor: o morador dos bairros nobres, sobretudo do Morumbi e cercanias. A luta pela cidade, uma categoria diretamente ligada ao espaço, se revela em sua maior dimensão na conquista do tempo. Ganha o jogo da cidade aquele que consegue perder menos tempo em deslocamentos.

Por exemplo:A ligação da Roberto Marinho com a Rodovia dos Imigrantes obedece a essa lógica. Nesse caso, não é o trabalho que ficará mais perto das residências das elites, mas o lazer, expresso pela praia. O habitante do Morumbi gastará muito menos tempo para chegar ao litoral, posto que toda uma infraestrutura urbana foi construída para ele. Essa infraestrutura já havia sido iniciada pela construção da Rodovia Nova Imigrantes, e agora tem continuidade com a extensão da Avenida Roberto Marinho que, por meio de túneis milionários, interligará o Morumbi à Rodovia.



Um levantamento do Seade mostrou que nos últimos dez anos surgiram 62 favelas na capital. Isto pode ser associado a essa política da administração municipal?

Neste caso, a informação mais importante não é o número de favelas, que não chega a ser maior que o de surgidas em outras décadas. A principal questão em jogo hoje é a remoção das favelas das áreas centrais e valorizadas e o boom imobiliário dessas áreas, que encareceu como nunca os imóveis em São Paulo. Essa limpeza social que ora ocorre nas áreas centrais da cidade fez surgir inúmeras favelas nas periferias e nas cidades da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP). Periferias e municípios vizinhos tiveram um crescimento demográfico muito elevado nos últimos anos, justamente pela impossibilidade econômica de se viver em São Paulo hoje.



A mais recente operação urbana anunciada é a Rio Verde - Jacú-Pêssego. Esta operação tem ligação com o fato do bairro de Itaquera sediar a abertura da Copa do Mundo?

Sim. A Operação Urbana Rio Verde – Jacú Pêssego está há muito tempo nos planos do poder público municipal. Ela se insere numa proposta muito antiga de desenvolvimento da zona leste, mas que nunca saiu do papel. De fato, o pólo industrial da zona leste, planejado para a região da Avenida Jacú-Pêssego, somado com intervenções em áreas de lazer e de serviços, tenderia a aumentar o número de postos de trabalho na região e assim evitaria o deslocamento dos moradores da zona leste para outras regiões da cidade em busca de emprego. À médio e longo prazo, a opção é correta. Os moradores da zona leste necessitam gerar renda na própria região e assim interromper historicamente a lógica do “metrô lotado” e do “deslocamento ao centro”. No entanto, nunca houve um planejamento sério nesse sentido por parte do poder público. Mesmo com isenção fiscal, as indústrias e empresas não quiseram ir para a região da Jacú-Pêssego por falta de infraestrutura urbana. O setor imobiliário também não se interessou pela falta de atrativos do local, e quem faz os atrativos de um local é o poder público.

Nos últimos anos, uma série de obras viárias tornou a região mais atrativa e, com ela, é a renda do setor imobiliário que se impõe. Logo, a Operação Urbana Rio Verde-Jacú Pêssego pode atender uma série de interesses visando a Copa, como a instalação de hotéis e restaurantes. E o que o poder público prevê para a região são mais obras viárias.

Mais avenidas, hotéis e restaurantes não necessariamente resolverão a questão do trabalho na zona leste. A região precisa de linhas de metrô que a interliguem com o centro e, sobretudo, crie ligações dentro dela mesma. A construção de avenidas valoriza os imóveis, mas é um modelo falido em termos de deslocamento. A melhor solução para os deslocamentos é uma rede de metrô extensa.

Por outro lado, a Copa pode se tornar um mico para os investidores e para moradores da região, pois um estádio de futebol fica a maior parte do tempo parado e em dias de jogos causa transtornos. Se não houver uma política que transforme o estádio em algo que tenha uma utilidade pública maior, assim como os hotéis e restaurantes, é possível que a Copa não deixe nenhum legado social, uma série de elefantes brancos e ainda desvalorize os imóveis, ao invés de valorizar.

Para terminar, pegar carona na Copa para desenvolver a zona leste é um argumento falacioso. A Copa é um evento que beneficia algumas empresas privadas e o desenvolvimento da zona leste é uma obrigação histórica do Estado, que deve planejar essas ações a médio e longo prazo e com muito cuidado e investimento. Enfim, Copa e desenvolvimento da zona leste são duas questões distintas. Uma coisa não tem nada a ver com a outra.









Tiarajú D´Andrea é sociólogo urbano, autor da dissertação de mestrado “Nas Tramas da Segregação: O Real Panorama da Pólis”, pelo Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP).

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